16 de janeiro de 2014
2 de janeiro de 2014
APRENDENDO A CAMINHAR
Ajuntei todas as pedras / Que vieram sobre mim / Levantei uma
escada muito alta / E no ato subi / Teci um tapete floreado / E no sonho me
perdi / Uma estrada /
Um leito / Uma casa / Um companheiro / Tudo de pedra / Entre
pedras /
Cresceu a minha poesia / Minha vida...
Quebrando pedras / E plantando flores / Entre pedras que me esmagavam /
Quebrando pedras / E plantando flores / Entre pedras que me esmagavam /
Levantei a pedra rude dos meus versos. (Das Pedras - Cora
Coralina)
Caros amigos...
..meus professores,
Não sei se
faço hoje nesta carta um agradecimento, uma homenagem, um pedido, uma
recordação ou um pouco de tudo isso! Alguns de vocês me marcaram por toda a
vida de aprendizado, sobre tudo na busca do amor ao conhecimento. Conhecimento
que edifica, compartilha, desenvolve, distribui, dignifica e transforma. Hoje
percebo, mais do que antes, as pedras que vocês quebraram para plantar flores. Nem
sempre o terreno era fértil. Poucas vezes havia condições de solo, vento,
chuva, nutrientes para fazer crescer as rosas meio as pedras. Mas vocês o fizeram.
Conto um pouco da minha percepção de ensino da minha vida.
Tenho marcas profundas de cada um de vocês. Fui alfabetizado em uma
escola próximo da minha casa, por duas irmãs franciscanas. Teria maior
dedicação, comprometimento e amor ao próximo do que a vocação? Maior ainda a
vocação ao ensino infantil. Cresci sonhador, pois regaram os meus sonhos e me
fizeram acreditar nas coisas boas. Desenvolvia histórias do meu imaginário.
Brincava com as letras do abecedário, cantarolava a sequencia das sílabas. Seria
daí que veio a afeição pela palavra, pela escrita? Brincava e socializava com a
diversidade. Lembro-me dos vários amigos que ainda fazem parte da minha vida, e
começaram a aprender junto comigo. Com alguns deles aprendi o que era perda, e
o que a violência pode fazer. Lembro-me
das normas e regras da escolinha, dos teatros, apresentações musicais e do
parquinho. O dia que escrevi meu nome pela primeira vez, me lembro ser o
primeiro da turma a conseguir tal feito. Gostava tanto da pré-escola que
frequentei ela até após ter formado lá, tenho profunda amizades pelas irmãs,
mesmo hoje, elas estando longe. Lá construíram minha personalidade, construíram
minha fé.
Minha primeira mudança drástica, me senti menino grande por mudar de
escola. Fui eu me aventurar no ensino fundamental, passei a conviver com
centenas de pessoas em uma estrutura maior. Era aluno de uma escola municipal,
e mesmo não sabendo fazia parte do chamavam “escola plural”. Foram oito anos de
várias transformações. Era meio apático nos primeiros anos, mas interagia bem
com os outros alunos. As professoras e professores que participavam acreditavam
na escola em que lecionavam, dedicavam energicamente na transformação da
realidade social pelo ensino. Acredito que me formei politicamente no ensino fundamental.
Lembro que por morar do lado da escola, podia ir até em casa buscar o material
que havia esquecido. Tinha primas que me davam aulas e meus irmãos também
estudaram lá, acho que isso facilitava. Tive professores engajados
politicamente, com posicionamento partidário, e mesmo sem nós entendermos muito
eles insistiam no nosso posicionamento crítico. Não sei se Weber iria gostar
disso, mas tenho certeza que eu gostei.
Mais uma vez evolui na compreensão da diversidade. Estudei na mesma sala
com alunos que tinham síndrome de down, quando isso ainda era considerado
pioneiro no ensino público. Nossa escola também foi pólo de alunos surdos e
mudos, aprendi um pouco de libras. Fui líder da gincana onde o tema era
Inclusão Social, ganhamos de maneira inacreditável! Tinha professoras que
militavam na questão da cultura negra, e na diversidade racial. Aulas de artes
que a gente estudava Van Gogh, Tarsila, Danças africanas, percussão, flauta
entre tantas coisas variadas que nem parecia caber no mesmo lugar. Também
desenvolvi várias habilidades no esporte. Me lembro de uma olimpíada interna
minha sala ganhar o prêmio no Xadrez, Dama, ping-pong, Volei e Peteca. Só
perdemos no futebol, ficamos revoltados. (Lembro-me de ter representado no
ping-pong, volei e peteca. Foi emocionante).
As excursões, os museus, cidades do interior, cinemas, teatros, de toda
a cultura que me foi apresentado. A biblioteca, nossa que saudade. Tive duas
fichas, uma com o número de 722 e outra com o número de 468. Tinha paixão pelos
livros da Bruxa Onilda, depois Obelix, e as histórias em quadrinho. Lembro
quando me apaixonei pelos clássicos, das coleções Vagalume. Quando li “O menino do dedo verde” cheguei a
chorar. Descobri minha paixão por Agatha Christie, e tantos outros livros.
Vivia na biblioteca.
Tive um sério problema na terceira, onde minha mãe foi chamada na escola
três vezes, passei uma das maiores vergonhas da minha vida. Foi então que
decidi só querer dar orgulho para minha mãe. Fui taxado como “nerd” e “cdf” até
o fim da sexta série. Foi quando na biblioteca li pela primeira vez o Manifesto
Comunista, fundei o primeiro grêmio estudantil quando estava na sexta série. Me
interessei tanto, que até comecei a participar do movimento estudantil. Comecei
a ler sobre política e economia e aprendi mesmo sem saber o que era ser
autodidata. Tive professores em cursinhos externos à escola, para tentar
concursos no Colégio Militar, EPCAR, CEFET ou Coltec ou bolsa em alguma escola
particular. Desta forma, me desenvolvia tecnicamente a frente dos meus colegas.
Mas eu gostava de lá. No meu último ano participei da comissão de formatura,
ficava mais na escola do que na minha própria casa! Como ainda moro perto, é
bom ir lá visitar, rever os professores. Como é bom encontrar com meus amigos. Nessa
época sonhava em ser engenheiro agrônomo, às vezes ainda sonho com isso!
Quando nos desenvolvemos de maneira
a adaptar ao nosso meio, e conseguir desenvolver habilidades para nossa
sobrevivência, somos chamados a mudar novamente. Consegui vaga em uma escola
estadual para o ensino médio, a mais conceituada da região. Me senti preparado
para a mudança. Não só minha personalidade estava formada, mas a habilidade
política também já estava desenvolvida.
Já
fora do sistema plural de ensino, a escola estadual tinha um peso maior. Na
prova de seleção de turma, tive sorte e cai na melhor turma da escola. Fiz
durante três anos os melhores amigos da minha vida. Pessoas nas quais
desenvolvi habilidades humanas, críticas, de relacionamento. Pessoas que
realmente eu acredito que me conhecem. Foram eles que me ajudaram a montar o
grêmio do colégio, onde entramos de cabeça no movimento estudantil municipal,
estadual e federal. Aprendi tanto, e consegui construir com os professores uma
escola onde tínhamos oficinas de dança, grupos de estudo, participávamos de
campeonatos, prêmios de pesquisa, olimpíadas de conhecimento. Tive tantos
desentendimentos com a diretora, sofri meus primeiros conflitos sociais e
aprendi a lutar pelo que eu acreditava. Aprendi a envolver as pessoas com
sonhos em comum. Continuei o autodidatismo pro que eu interessava. Queria ser
jornalista, escritor de livros.
Li algumas obras mais
complexas como O Capital e a evolução do pensamento econômico entre outras. Fui
partidário e discuti ferrenhamente a sociedade. Me apaixonei pelos clássicos
brasileiros, romantismo, naturalismo tantos outros. Escrevia poesias, crônicas
e textos de manifesto. Nessa etapa o que menos fazia era assistir as aulas,
mesmo quando estava dentro da escola. Aprendi que o conhecimento nem sempre
está dentro de quatro paredes, mas ele pode estar em todos os lugares. Fui
presidente do grêmio durante os três anos que estudei nessa escola. Tive aula
com minha irmã.
Tenho consciência de ser autêntica e procuro superar todos os dias minha
própria personalidade, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto,
pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes.
O importante é semear, produzir milhões de sorrisos de solidariedade e amizade.
Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça.
Digo o que penso, com esperança.
Penso no que faço, com fé.
Faço o que devo fazer, com amor.
Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende! (Cora Coralina)
O importante é semear, produzir milhões de sorrisos de solidariedade e amizade.
Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça.
Digo o que penso, com esperança.
Penso no que faço, com fé.
Faço o que devo fazer, com amor.
Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende! (Cora Coralina)
Consegui me envolver
emocionalmente com os meus amigos, com minha escola. São tantas histórias, mas
formei. Fui da comissão da formatura, do colegiado e vários outros projetos
desenvolvidos. Fiz um curso técnico de administrativo no terceiro ano onde me
apaixonei pela administração. Não
assistia aula e não fiz cursinho, então, não prestei vestibular para UFMG. Já
participava da política estudantil das universidades, e era o que eu estava
interessado. Acredito isso ter sido uma loucura, um erro. Tentei três
particulares, cada uma um curso. Eram três DCEs que poderia me receber. Passei
nos três, optei pelo curso de Administração. Pela primeira vez iria estudar
longe da minha casa, dos meus amigos, da região onde eu moro. Me senti um peixe
fora d’água. Sempre estudei em uma região com muita desigualdade social, com
discussões profundas, e passei a conhecer outra realidade. Tive excelentes
professores, e pelo fato de custar caro, me comprometi ao máximo ao meu curso.
Foi então que além da minha personalidade, das habilidades políticas eu busquei
a formação técnica e profissional. Comecei a dar aula em um curso
profissionalizante administrativo além de diversos outros estágios que fiz.
Também já dava aula de jiu-jitsu, pro meu pai que era meu professor. Tenho
absoluta certeza que devo tudo ao esporte. Fui criado para lutar e moldado a
ensinar como se luta.
Conheci a filosofia por
meio dos livros da Marilena Chauí. Conheci a sociologia de Marx e Weber.
Conheci as ciências que dão fundamentos a administração. Fui aprendendo a
ciência, comecei a iniciação científica no segundo período. Tive um exemplo a
seguir, meu orientador de projetos, meu atual orientador o responsável pela
minha paixão pelo meio acadêmico. Como foi transformador todo o processo de
aprendizado, dos vários mestres e doutores que passaram e deixaram um pouco que
hoje se faz tanto na lógica da partilha do conhecimento. Tive a oportunidade de
continuar nos movimentos estudantis. Continuar a desenvolver projetos, a fazer
estágios organizacionais onde eu vi e percebi o papel da administração na vida
das pessoas. Participei de projetos de extensão, fui para o Rondon a
experiência extensionista mais importante da minha vida. Fui para congressos
acadêmicos, onde fiz amigos na ciência. Conheci um mundo! Aproveitei bastante,
tudo que me foi oferecido.
Me formei como
profissional e fui seduzido pela ciência, como já havia sido seduzido pelo
ensino por todas as grandes mentes, pessoas e indivíduos que plantaram as
sementes, mesmo na pedra, conseguiram ter flores e frutos. Pode ser uma
ideologia, mas eu acredito. O conhecimento não é resultado de um sistema
padronizado meramente eficiente. Acredito na construção subjetiva da troca do
conhecimento. Construir pontes onde há precipícios, criar dentro de cada
individuo um pensamento crítico em relação ao meio em que vive. Talvez seja
isso, a emancipação do ser. Para isso precisa-se acreditar no ser. Tive muitos
professores que serviram para eu saber como eu não quero ser, agradeço a eles
por isso. Mas não abro mão das minhas experiências. Paro por aqui, não vou
entrar na experiência do mestrado, pois é recente, e ainda não assentei meu
conhecimento. Estou vivendo o turbilhão. Certamente é a mais traumática e
transformadora experiência em que vivo. Cresci em todos os ambitos do meu ser.
Para encerrar, após
descrever muito resumidamente minha experiência nessa carta, agradeço
profundamente o que sou. Pretendo agradecer na formação de novas pessoas, pois
eu escolhi ensinar. Eu escolhi pessoas, formar pessoas. Obrigado por me
ajudarem a fazer isso. Não continuo, pois não há papel que suporte sentimento,
por isso abstraio com os subjetivos e metafóricos poemas.
Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas
sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina. (Cora Coralina)
Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina. (Cora Coralina)
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