3 de julho de 2014

REFLEXÕES DE UM DIA CINZA



Não tem como, ver e saber como é o comportamento social do medo. E, como uma tragédia expõe nossa fragilidade social, nossa fragilidade humana. Poderia me comportar como se nada tivesse acontecido, mas não consegui. Perdi o sorriso do meu dia, fiquei meio estarrecido, paralisado. A gente não se acostuma a perder nada na vida e por mais culpados que possa ter um fato como este, eu fui culpado e também perdi. Perdi um pouco de fé no homem, na racionalidade, na ciência, na política em mim mesmo como um ator social dotado de poder de transformação. Nessas horas, mais do que nunca, me vejo de frente de todas as limitações humanas.
Convivemos com tantas incertezas todos os dias, inclusive a incerteza da vida. Kant considerava um ser inteligente, aquele capaz de suportar o maior número de incertezas. Nem tudo dá pra encarar de frente, encarar a realidade. Não damos conta, não somos maquinas somos gente. Seriamos melhores se encarássemos tudo como é? Eis a questão, eu acho que seriamos mais tristes e frios. A perfeição não se encontra na realidade imperfeita. A perfeição se encontra no processo imaginativo e criativo do ser humano.
Simon contratacava todo sistema social perfeito com a capacidade cognitiva limitada do ser humano. Não adianta termos sistemas burocráticos a luz de Weber “perfeitos” se nós mesmos não somos. Niet já dizia que só seremos capazes de aproximar de uma “perfeição” quando encararmos o que realmente somos, imperfeitos. Encarar nossa humanidade em demasia, o ser super homem às avessas.
Mas quem disse que desejamos ou buscamos essa consciência da imperfeição? Escolhemos o medo de não buscar. O medo de não ser. Entretanto, estamos condenados a liberdade, dizia Sartre. A essa liberdade da escolha. Condenado a ser omisso ou não, a ser indiferente ou não, a ser melhor ou não. Esse é o existir pleno. É confinador... E, frente a essas realidades existencialistas a única questão verdadeiramente importante é existir ou não. Ou como Shakespeare perguntaria como Hamlet, em sua trágica situação “ser ou não ser, eis a questão”.  Durkheim mostrava essas limitações ao ponto de vista social.
Apesar dos pesares, a nossa existência não é única, nem mesmo as estrelas mais bonitas são únicas, nem mesmo o sol é único no universo. Quando um falha, todos falham é sistemático e estranhamente harmônico. Quando um desiste de existir todos deixam um pouco de existir, também. Trocamos existências e somos responsáveis por elas. Deixando de lado um pouco a filosofia, hoje eu deixei de existir um pouco. Foi consciente.
Adélia Prado em uma das suas entrevistas contava sobre uma poesia que fez sobre a morte do Jobs, aquele mesmo da Apple. Sobre a dor que ela sentiu, mesmo não o conhecendo. Isso alguns chamam de empatia, sentimento altruísta, ser cristão ou ingenuidade. Alguns acadêmicos culpam Adélia de ser ingênua de mais. Ingênuos! Ser humano em demasia é existir e trocar existência imperfeita. Adélia é imperfeita. Não é métrica, não rima é parecida com nossa realidade. Adélia é humana.
Hoje foi um dia de Adélia, sofrido. O fato de ver e sentir isso, penso: Melhor que viver odiando a realidade e desistir da existência, amando o imaginário no qual me afasto da minha humanidade, é sofrer a minha liberdade protagonizando no possível a luta pela existência do próximo. Não quero que ninguém deixe de existir, por mais sofrida que é essa decisão. Mas é simples vivo e/ou existo no próximo. A simplicidade do bem comum.